"VOCÊ COM ESSE CABELO AÍ, CONHECE OS PANTERAS NEGRA?"
- Renata Sampaio
- 12 de mai. de 2017
- 4 min de leitura

Lembro detalhadamente da primeira vez que ouvi falar dos Panteras Negras: era 2013, ano em que adotei o corte black power, eu trabalhava numa exposição no Complexo da Maré e fui atender um homem negro, de meia idade, integrante da associação dos catadores de materiais recicláveis da comunidade. Ele estava maravilhado com a biblioteca existente naquele espaço e eu, na minha ignorância e estereotipação, estava surpresa com o conhecimento daquele homem. Em um determinado momento ele olhou nos meus olhos e disse: você com esse cabelo aí conhece os Panteras Negras? E eu, que achava que sabia tanta coisa, não sabia do que ele estava falando.
O partido dos Panteras Negras surgiu em 1966 na Califórnia, no contexto da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, um período no qual os negros eram considerados inferiores e por isso eram segregados e oprimidos, e reivindicavam direitos iguais. Com o intuito de defender a população negra da polícia, que, não muito diferente do que ocorre hoje em dia, assassinava essa população, surgiu o Partido Panteras Negras para auto defesa, mas essa defesa não era só física, armada, como muitos gostam de ressaltar, fazendo parecer que o partido era um grupo violento. O Black Panther Party desenvolvia também programas sociais em suas comunidades: distribuição de alimentos, café da manhã para as crianças tomarem antes da escola, centros de desenvolvimento infantil, clínicas de saúde gratuita, centro de pesquisa sobre anemia falciforme, assistência judiciária, etc. Com o surgimento do partido surgia junto seu programa de dez pontos, no qual lutavam pelo fim do serviço militar obrigatório para os homens negros (já que não os davam os mesmos direitos, como lhes dar esse dever?), liberdade para os presos negros e julgamentos éticos nos quais o júri fosse paritário ou composto pela comunidade negra, ensino da história negra americana nas escolas, emprego, moradia digna, fim da exploração, liberdade.

O partido também tinha um jornal, The Black Panther, com uma tiragem que chegou a ter 150 mil exemplares! Emory Douglas era o diretor de arte deste jornal e também ministro da cultura do partido. O jornal denunciava a repressão, divulgava a plataforma política e os programas sociais do partido e mostrava solidariedade com outros movimentos libertários pelo mundo. Muitas dessas exemplares, e outras imagens de Douglas, estão disponíveis na exposição "Todo poder ao povo - Emory Douglas e os panteras negras" no Sesc Pinheiros, e eu tenho a felicidade de ser educadora dessa exposição.

Aliás, é um privilégio poder estudar a história dos Panteras Negras e suas relações com movimento negro no Brasil e no mundo até hoje. Ao mesmo tempo, é triste perceber o quanto da nossa história nos é negada. Esse ano marca 51 anos do surgimento dos Panteras Negras e há pouquíssima bibliografia sobre eles traduzida para o português, dificultando o acesso a esse movimento tão importante. Ao longo da preparação da exposição, estudamos, entre outras coisas, o associativismo negro no Brasil e fiquei chocada como sabemos pouco sobre a imprensa negra brasileira; sobre a pedagoginga das escolas informais que educavam os nossos em escolas de samba, terreiros, grupos políticos. Também sabemos pouco sobre o Teatro Experimental do Negro - e olha que eu estudei Artes Cênicas e na academia nunca me foi dito nada a respeito - conduzido por Abdias do Nascimento, que, inclusive, quando exilado, esteve com os Panteras Negras.
É lindo ver uma exposição no qual vemos representado um movimento social de jovens negros orgulhosos, empoderados, cientes de sua beleza, força e ancestralidade!
É lindo ver jovens negros vivos e mulheres negras representadas fora da estereotipação! (Porque “homem preto é estatística e mulher preta, objeto”, me dizia outro dia um jovem de 19 anos da quebrada paulistana)
É lindo ser uma jovem negra presente diariamente nesse espaço, e poder encontrar outros negros, emocionados, surpresos, felizes, se sentindo representados, e voltando com os parentes, com os amigos, ou indignados porque não sabem como levar - ou trazer - tudo isso até sua comunidade. Já vi jovens chorando ou até saudando as obras expostas na exposição.

É lindo saber que essa exposição está trazendo algumas pessoas pela primeira vez a um espaço expositivo!
Mas é triste perceber que aquilo pelo qual os Panteras lutavam lá nos anos 1960 ainda é nossa pauta nos anos 2010: Ainda lutamos para que nossa história nos seja contada, vide a lei de ensino e cultura afro-brasileira nas escolas; ainda lutamos contra o genocídio da população preta; ainda lutamos por casas dignas para um ser humano habitar; ainda lutamos por direitos humanos!
É triste ver pessoas passarem por ali e não perceberem que essa não é uma simples exposição sobre um passado histórico, e sim um chamado a reflexão de como estamos lidando com essas questões nos dias de hoje!
Sempre lembro daquele homem que mencionei no começo desse texto, e fico imaginando como ele se sentiria nessa exposição. Queria lhe perguntar como conheceu os Panteras e o que ele acha de uma exposição sobre eles hoje. Queria dizer-lhe que conheci Emory Douglas, conversei com ele e me emocionei demais. E gostaria, principalmente, de lhe agradecer! Mas como isso não é possível me dou a missão de cultivar em cada visitante a semente que esse homem plantou em mim.
Então, se você quiser, aparece lá na exposição! Ela vai até o dia 2 de julho, de terça a domingo, e conta com uma extensa programação paralela de apresentações, palestras e oficinas.

Não ia perder a oportunidade de tirar uma foto com um Pantera Negra, né?!