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ECOS DA DIÁSPORA


Episódio #1

São Paulo. Fevereiro 2014. Estamos no Sambódromo. O desfile vai daqui a pouco começar. As cores já se misturam ao fervor e à excitação do povo. Fervor que eu nunca tinha visto antes. A adrenalina sobe. Não sou daqui mas num instante, me vejo entrar neste mundo paralelo. Nasce um sentimento de pertença à uma comunidade, mesmo não sendo brasileira. Eu estou encantada. Me sinto especial.

Anunciaram a entrada em breve de uma escola de Samba. Já esqueci o nome. Nem conheço. Mas tanto faz! O entusiasmo do povo me preparou ao espetáculo que esta a chegar. As bandeiras estão levantadas, os gritos se multiplicam. A multidão se anima mais e mais. Vejo, assisto, observo. Começou. Passa o abre-alas, primeiros encantamentos. O desfile passa, mais e mais..

« NOSSA ! » gritei na minha mente. NOSSA ! Não acreditei.

As fantasias, setores por setores, os ornamentos, a beleza dos dançarinos, a bateria, a sincronização, a música.. Puro espetáculo.. Passaram na minha frente fantasias, cores, materiais, .. que me lembraram uma parte de mim, um outro continente, uma outra história. Uma história que constrói a identidade brasileira cujos homens e mulheres aclamam e celebram com orgulho e muita devoção agora: a historia negra.

Fiquei feliz ao ver o quanto a memória africana era celebrada pelas escolas de samba, o quanto o patrimônio e a ancestralidade africana fizeram parte de uma celebração tão imensa da identidade brasileira. Feliz em ver um espaço com maioria de negros.

As letras dos enredos celebraram heróis afrobrasileiros, celebraram um passado, uma história, a contribuição africana, as lutas, a negritude. Os enredos foram repetidos pela multidão como se fossem a manutenção sagrada do laço à negritude, como um lembrete da força e do poder dessa cultura nossa, identidade nossa, como uma oração para chamar os ancestrais de volta, o tempo de uma noite. Eu estava feliz em ver o quanto a negritude estava contribuindo na minha frente para tanto orgulho, tanta beleza, tanto reconhecimento em um pais onde afinal, é preciso lutar para afirmar no espaço social sua africanidade.

Feliz. Mas uma felicidade agridoce.

De repente, mil pensamentos cruzaram minha mente. As diferentes experiências, testemunhas cotidianas do negro no Brasil chegou no lugar da admiração forte pela demonstração de orgulho que estava continuando.

Me perguntei: tanto orgulho, vejo tanto poder, tanta vontade de celebrar a cultura de África no Brasil e seu papel na cultura brasileira. Por que tantas contradições com a realidade do negro no Brasil ?

Por que no dia a dia não vejo a mulher negra celebrada e admirada como estão colocadas em destaque as passistas negras?

Por que os heróis africanos e o papel das pessoas africanas escravizadas pelos europeus na construção da sociedade brasileira não é suficientemente lembrada?

Se no carnaval, reconhecemos este papel enorme muitas vezes? Por que vejo a África na TV mostrada como terra de fome e guerras?

Será que a cultura afrobrasileira só tem credibilidade e espaço apenas em momentos de festa? Será que a africanidade da cultura brasileira tem que ficar na esfera do jovial? Será que, afinal, ser preto no Brasil é coisa legal apenas durante o carnaval ?

Na verdade, tinha as repostas. Mas as contradições levantadas pelo carnaval na minha cabeça sobre a visibilidade do negro na sociedade brasileira me deixaram sem palavras. Não. Na verdade, eu tenho as repostas. Pois são repostas que qualquer negro, que seja brasileiro, afro-americano, francês, ou colombiano, que vive no dia a dia a dominação social e cultural branca sobre sua existência poderia dar: A luta pela visibilidade do negro na sociedade é uma luta longa, dura, cotidiana, também com suas contradições. Mas uma luta fundamental.


 
 
 

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