PRECISAMOS CELEBRAR NOSSOS CORPOS!
- Thayná Alves
- 9 de mar. de 2017
- 3 min de leitura
"Depois de um tempo eu entendi que a minha aceitação como mulher preta começou quando eu entrei no samba. Foi quando eu comecei a amar a minha cor e ter orgulho de ser preta. O samba tem esse efeito em mim. Quando eu piso na avenida ou na quadra da escola eu penso: "tô no meu lugar! É aqui que eu sou feliz!".
Larissa Neves

O corpo é um lugar de memória. É ele quem nos conecta às histórias dos espaços de pertencimento que nos fazem lembrar quem nós somos. Portanto, contrariando a narrativa que coloca a nós, mulheres pretas, como corpos feitos para servir, queremos lembrar e afirmar que neste e em outros carnavais, celebrar o nosso corpo é celebrar a nossa história, e das que vieram antes de nós.
E por falar em memória, entre áudios (muitos) de whataspp pela madrugada a fora, a Larissa Neves¹, que aos 12 anos se tornou passista do Acadêmicos do Salgueiro, me contou que o samba é o seu "religare", o fio condutor que há 11 anos atravessa mais do que a avenida, mas a sua trajetória como mulher preta. A primeira vez em que a mãe a levou ao ensaio geral da escola ela estava com 10 anos e nunca tinha visto "tanta gente preta junta, feliz, tanta mulher preta com uma autoestima maravilhosa e se achando incrível". Logo pensou: "Eu preciso ser como elas"!. Comecei a imaginar quantas lembranças passaram pela cabeça da Larissa. Tudo aquilo que ela ouviu sobre seu corpo, sobre como tudo o que rememorava a sua negritude a entristecia, e como o racismo fez com que suas memórias virassem muros que invisibilizaram a sua beleza e força.

A memória afetiva do corpo é construída também na retomada da percepção da existência para além do imaginário coletivo construído ao redor da mulher negra. Tal imaginário, é sobretudo, pautado na construção hegemônica do discurso único, no monopólio narrativo que dá base ao sistema estruturante da sociedade brasileira: o racismo. E é este que pauta a construção da feminilidade de forma distinta para mulheres brancas e negras. Onde para umas é construído um lugar de humanidade e civilidade, e para outras um lugar de subserviência e hipersexualização.
Larissa me contou que certa vez em uma apresentação, no palco, um homem se sentiu no direito de alisa-la. Não satisfeito, ele ofereceu dinheiro e a chamou para "ir embora" com ele. Porque é isso que o racismo e o machismo fazem, tornam os nossos corpos territórios livres ao toque, "opiniões" e pretensões. Nos desumaniza e nos reduz ao nosso corpo, que se torna nada, na visão racista um corpo servil.

Mas em meio a isso, a Larissa me fez lembrar da importância de retornarmos o olhar para quem nós somos, e não para as memórias que criaram sobre nós, quando ela me disse a seguinte frase: "Estou indo paro o meu décimo primeiro Carnaval na avenida e continuo me arrepiando igual como a fosse a primeira vez. Não sei explicar o que é isso.. só sei que tá aqui!". Está em cada uma de nós, mulheres pretas, a sacralidade dos corpos e da história. Não as que nos acorrentam e aprisionam em imagens estáticas no tempo e na construção de um imaginário que nos reduz. Não me refiro ao que construíram sobre nós fora da nossa própria perspectiva, falo da história de reis e rainhas que nos foram usurpadas, desse sentimento que está nos lugares que nos pertencem. Celebrar nossos corpos faz parte de quem somos. No candomblé, na capoeira, no samba, reafirmamos: SOMOS SAGRADAS! Somos histórias que pulsam!
**Larissa Neves, é estudante de psicologia e junto das passistas Sabrina Ginga, Mirna Moreira e Rafaela Dias, é idealizadora do projeto "Samba Pretinha", que debate questões raciais, feministas e o empoderamento da mulher no samba.
Thayná Alves – Mulher preta, graduada em Comunicação Social (Jornalismo) pela Universidade Veiga de Almeida (UVA) e pós graduanda na especialização em jornalismo Cultural na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Coordena o projeto África em Nós e é pesquisadora da estética negra como construção e afirmação da identidade.