CARNAVAL: UMA VITRINE DE CORPOS NEGROS
- Viviane de Paula
- 9 de fev. de 2017
- 3 min de leitura

Após a abolição da escravatura, no Brasil, a mulher negra passou a atuar como um alicerce de famílias e comunidades negras, arcava com o sustento moral e com a subsistência dos filhos. Das senzalas aos cortiços, tornou-se “mulher de cama e mesa”, ora servindo a seus parceiros ora a seus patrões em relações abusivas. As condições de pobreza e de marginalidade às quais a mulher negra foi submetida, durante séculos de escravidão, refletiram em seu ingresso na universidade e no mercado de trabalho, na escassez de mulheres negras em posições de prestígios e nos maiores índices de celibato e de violência doméstica do Brasil. As escravas eram consideradas objetos de seus senhores e, além das funções domésticas, tinham como função satisfazê-los carnalmente, logo, grande parte deles, regiam que as suas jovens deveriam impreterivelmente ter a sua primeira relação sexual com o seu dono.
Em fevereiro, à moda brasileira, mulheres negras hipersexualizadas são exibidas como produtos a serem vendidos em que nos deparamos com uma prática não muito distinta do período escravocrata: a mercantilização do corpo feminino negro. A festa carnavalesca, que já foi espaço da população pobre e, majoritariamente, negra expressar as suas formas de cultura, em sua maioria, marginalizada, tornou-se um mercado bilionário, que envolve empresas de turismo, redes hoteleiras, escolas de samba, canais de televisão, tráfico de mulheres e de drogas.
É notório que o principal símbolo desse período são as mulheres negras, exibidas em trajes sensuais, nuas ou seminuas, contribuindo para que a imagem da mulher negra continue sendo ostensivamente explorada pelos meios de comunicação, principalmente, durante o período de Carnaval. Um corpo desprovido de inteligência, sensual e libertino, disposto como mais um dos serviços, além do samba e do futebol, que nossa cultura comercializa. Pode-se observar que o êxito do turismo brasileiro, principalmente em épocas festivas, sempre esteve atrelado à sexualidade, posicionando a mulher negra como principal alicerce de um novo termo para uma prática bastante rotineira: o “turismo sexual”. Estatísticas comprovam a exploração intensiva do corpo feminino negro brasileiro como atrativo sexual turístico, o perfil do turista estrangeiro, segundo a Embratur, em pesquisa recente, comprova que 44% viajam com familiares; 34% viajam sozinhos; 17% viajam com amigos e 4% em excursão - o chamado “turismo de solteiro”. Os números confirmam que ainda estamos conectados a um imaginário escravista, que vem sendo perpetuado pela mídia e alicerçado pelo machismo e sexismo, colocando a mulher negra como base de uma cultura com resquícios de escravidão.

Mulheres negras representam a base da pirâmide social brasileira, sendo o grupo social mais explorado e marginalizado, segundo o Ipea (Instituto de Planejamento e Economia Aplicada), atualmente, no Brasil, as mulheres brancas recebem em média 74% do salário dos homens brancos. Os homens negros recebem 48% e as mulheres negras 35% do que recebem homens brancos. O Ipea ainda aponta que as mulheres negras estão em piores cargos: 71% ocupam ofícios precários e informais, contra 54% das mulheres brancas e 48% dos homens brancos.
Essa exploração escondida entre fantasias, cores e batuques tomou várias formas e novos “senhores” passaram a lucrar com o corpo feminino negro, logo, a sociedade encontrou novas maneiras de colocar nossos corpos à venda, produzindo um cenário preocupante, mas aceitável para a maioria da população brasileira. Percebe-se que para empregos formais, cargos normalmente não ocupados pela população negra, o cabelo crespo, a cor da pele, os traços e a aparência não são vistos como o padrão aceitável, contudo, quando se trata de sexualização e exposição do corpo negro somos o manequim ideal.

Até quando iremos nos deparar com “comemorações” que colocam nossos corpos como produtos descartáveis? A mulher negra continua sendo vista como um mero corpo nu, um pedaço de carne descartável. A representação de nossos corpos é meramente festejo para a nata brasileira? Assim como em tempos escravistas, a figura da mulher negra vem sendo exposta nua ou seminua, servindo como espetáculo, banhado à luxo para senhores e sinhás. DESCARTÁVEL. Ainda é essa palavra que paira no imaginário brasileiro, boa para o sexo e relações superficiais: “branca pra casar, negra pra trabalhar, mulata pra fornicar”. Um corpo animalesco, desprovido de inteligência ou de sensibilidade, sinônimo de sedução e promiscuidade.
Servimos para quê, afinal? Ou melhor, a quem?