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ONDE É A SAÍDA?


Aquariana nascida num sábado de carnaval, porta bandeira do mestre sala-pai.

Minha relação com o carnaval é (pré)natal.

Na adolescência com o corpo despontando, apontamentos de Globeleza na rua davam ao mesmo tempo aquela massagem no ego e a vontade de se esconder dos olhares curiosos e agudos.

O tempo foi passando e as experiências foram aguçando a percepção de que a cor da pele poderia influenciar o rumo das coisas.

Um namorado que disse que me amaria mais se o cabelo fosse liso. (Hoje ele é casado com uma mulher branca).

Uma entrevista de emprego em que os entrevistadores no final disseram ter gostado da minha aula teste, mas que se permitisse um conselho...que eu nem deveria estar ali, que estava perdendo tempo porque ter nascido com esta cor (de chocolate) era ir para Alemanha e sair para tomar um sorvete e voltar casada!!! Tudo isso em tom muito elogioso, claro. E os pressupostos eram de que 1)eu não queria trabalhar 2) queria (ou deveria querer no papel de mulher) me casar 3) queria me casar com um homem branco (e rico). Por que a Alemanha? Estranho...muitos pressupostos para quem não me conhecia.

Um cliente (aluno) me chamando, direta e explicitamente, para transar. Não, não jantar. Nem dançar. Não, também não era conversar.

Era transar mesmo. Casado (com uma mulher branca) e junto com o pedido direto a “justificativa” que era porque tinha curiosidade de ir para cama com uma negra (que ele tinha ouvido falar que eram as mais quentes). Depois da negativa, a insistência com um: “Nem por uma experiência científica?”

A medida que fui crescendo e vendo a Globeleza apenas uma vez por ano e entendo a lógica deste sistema que coloca a mulher negra neste local que parecia ser de menor valor, mas fantasiado de elogio e admiração fui apurando minha observação do mundo ao redor e vendo que isto não acontecia isoladamente. Muitas mulheres sofrem pelos mesmos motivos.

O maravilhoso Manifesto escrito por Stephanie Ribeiro e Djamila Ribeiro um ano atrás me fez ter uma dimensão histórica da trajetória da mulher negra.

 

“Além de ser palavra [mulata] naturalizada pela sociedade brasileira, ela é presença cativa no vocabulário dos apresentadores, jornalistas e repórteres da emissora global. A palavra de origem espanhola vem de “mula” ou “mulo”: aquilo que é híbrido, originário do cruzamento entre espécies. Mulas são animais nascidos do cruzamento dos jumentos com éguas ou dos cavalos com jumentas. Em outra acepção, são resultado da cópula do animal considerado nobre (equus caballus) com o animal tido de segunda classe (equus africanus asinus). Sendo assim, trata-se de uma palavra pejorativa que indica mestiçagem, impureza. Mistura imprópria que não deveria existir. Empregado desde o período colonial, o termo era usado para designar negros de pele mais clara, frutos do estupro de escravas pelos senhores de engenho. Tal nomenclatura tem cunho machista e racista e foi transferido à personagem globeleza, naturalizado. A adjetivação “mulata” é uma memória triste dos 354 anos (1534 a 1888) de escravidão negra no Brasil.”

 

Este ano ver a Globeleza diferente de todos os que vi desde criança e da vontade antiga de querer sair deste lugar, me faz ter uma claridade muito maior sobre minha identidade, sobre minha sexualidade.

Em sua tese de doutorado “Branca para casar, mulata para f...., negra para trabalhar”: Escolhas afetivas e significados de solidão entre mulheres negras em Salvador, Bahia”, Ana Cláudia Pacheco nos faz perceber mais profundamente como raça, gênero e outros marcadores sociais operam nas escolhas afetivas das mulheres negras; como experienciam a solidão. E entender como chegamos até aqui é a melhor indicação de como podemos sair deste lugar.

Flickr: DUAYER

As namoradeiras. Sempre sozinhas, com decotes “atrativos” e....negras? Já parou para pensar no termo, na solidão e na cor?


 
 
 

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